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Monte Grappa

Passamos a vida ouvindo histórias. Dependendo do momento ou da fase da vida que atravessamos, as histórias que nos contam têm significados diferentes.

Quando crianças éramos acalentados com histórias magníficas que nos levavam a um mundo imaginário repleto de luzes brilhantes e de horizontes infindáveis. O melhor de tudo era exatamente não ouvirmos o final de história, pois a atenção era tamanha que rapidamente nos transportávamos para aquele mundo do faz de conta e não raramente continuávamos a história por intermédio dos sonhos intermináveis de uma noite de um sono sereno.

Há aquelas histórias convenientes. Mesmo não considerando a sua veracidade, são aceitas como consolo e esperança. Quando temos um amigo ou um ente querido acometido de algum mal, nos tranqüilizamos em ouvir o relato de que aquele mal é passível de cura, a despeito de termos consciência do que ouvimos não ser fiel aos fatos. É a chamada mentira confortante.

Há a história da menina que ouvia sua mãe falar sobre seu pai – avô da menina – quando este ia à procura de lenha para alimentar o fogão da casa no preparo da alimentação diária, além de manter o ambiente quente e aconchegante. Dizia ele que andava horas e horas a procura de bons pedaços de árvores. Levava consigo um machado afiado e fazia daquele exercício diário um hábito salutar.

O que mais impressionava a menina era o relato de sua mãe ressaltando um fato que ficou gravado em sua mente por muitos anos. Moravam em um lugarejo no norte da Itália ao pé da montanha, chamado Monte Grappa, e sua mãe contava que seu avô saia de casa muito cedo. Depois de caminhar por mais de duas horas sempre subindo o monte, começava a notar a distância que se encontrava, não mais observando o ponto de partida. Pouco a pouco, ia se envolvendo pelas nuvens próprias de regiões montanhosas e só conseguia olhar poucos metros à frente. Como já conhecia e dominava a sua tarefa, não tinha dificuldade em trazer de volta uma quantidade de lenha compatível com a sua resistência física.

A menina não estava lá, mas a descrição da cena ficou marcada em seu subconsciente. Já adulta e junto com sua mãe, sentia prazer e satisfação em contar essa passagem aos seus amigos. O que mais a impressionava e aguçava a curiosidade era saber o que significava subir até ficar acima das nuvens. A não ser por intermédio de avião, a cena parecia improvável.

Parecia… Apareceu a oportunidade de viajar a Europa. Ela com o marido e um casal amigo organizaram um passeio e dentre os objetivos traçados, um era exatamente visitar a origem de seus antepassados.

Quem tem boca vai a Roma, diz o ditado. Embora não fosse Roma, o adágio também vale. Apenas com o nome da cidade anotado num pedaço de papel, lá foram os quatro a procura do tal Monte Grappa. Pergunta daqui, pergunta dali e eis que os nossos aventureiros encontraram o lugar tão procurado.

Queriam explorar o lugar. Perguntaram pelo sobrenome da família na esperança de encontrar algum parente distante. Nada. Como lá estavam, iniciaram a subida do monte para, pelo menos, apreciar a paisagem. Conduzindo o veículo com cautela pelas sinuosas curvas, deram conta que já estavam a uma altura considerável, não lhes permitindo divisar as casas na base do monte. E eis que de repente, viram-se diante de um tipo de fumaça branca à sua frente. Imaginaram inicialmente tratar-se de alguma fogueira ou resultado de queimadas. E aí veio imediatamente à sua mente aquela história da mãe sobre seu avô. O que parecia um conto de fadas era agora uma realidade. Estava penetrando nas nuvens exatamente como seu avô contava à sua mãe. Mais alguns metros de subida e nada mais se avistava ao redor.

Depois de um rápido momento de observação e reflexão, quebra-se o silêncio e ouvem-se soluços de emoção. O êxtase em observar tão marcante paisagem trouxe aos quatro amigos a certeza da existência de algo superior que nos guia e protege. Num passado distante o avô daquela que já foi criança, fazia o cansativo percurso a procura de subsistência, e naquele momento, sentindo sua presença, sua neta e herdeira lá se encontrava para prestar silenciosa e emocionada homenagem.

Histórias são histórias. Algumas nos fazem dormir, outras nos confortam e a do Monte Grappa nos faz chorar de emoção e, ao mesmo tempo, de alegria.

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