Tem se falado muito ultimamente sobre a violação de sigilo. Todo santo dia ouve-se alguém dizer que o sigilo bancário ou telefônico de alguém foi indiscretamente profanado. Parece até que há grande interesse da mídia em alimentar esse estado de coisas, afinal é um bom motivo para alavancar a venda de jornais e incrementar a audiência das estações de rádio e televisão.
Se o porteiro, motorista ou caseiro estão falando a verdade ou se a quebra do sigilo bancário e telefônico procede, dificilmente saberemos.
O que importa é dizer que um amigo meu passou por uma situação, até certo ponto, embaraçosa. Sempre adepto a manter a boa forma física, certa vez aderiu a um desses tratamentos para emagrecer. Adquiriu o kit milagroso e seguiu cuidadosa e rigorosamente as prescrições anunciadas pelo fabricante da iguaria.
Passados 45 dias – o tratamento previa a duração de dois meses – notou que ao invés de perder peso, estava ganhando alguns pneusinhos, tornando a sua silhueta mais para um trabalhador em borracharia do que um elegante bailarino.
Utilizando a facilidade que todos os fabricantes oferecem hoje, entrou em contato com o serviço de atendimento ao cliente. Explicou o que estava acontecendo. Não poderia aceitar que um produto que estava sendo ingerido com o objetivo de fazê-lo emagrecer, estivesse causando efeito exatamente contrário.
Sentia-se testemunha viva de um processo que, segundo ele, parecia propaganda enganosa. A gentil atendente, então, passou a fazer uma série de indagações. Estaria ele seguindo à risca as recomendações? Estaria apenas se alimentando com aquele produto? Não estaria ingerindo bebida alcoólica? Estaria complementando o tratamento com exercícios físicos?
Após essa longa consulta com a representante do produto, sentiu-se repentinamente transformado de testemunha em suspeito. Ouviu, também, que o tratamento só surtiria o efeito apregoado, se fossem seguidas todas as recomendações contidas na embalagem.
Feita a consulta, refletiu sobre o que tinha ocorrido durante esta fase do tratamento. Aos poucos foi lembrando que, vez ou outra, não resistia e abria a porta da geladeira à procura de algo com sabor bem melhor, verdadeiro. Também se recordou que certa vez, assistindo um jogo de futebol, comeu uma tigela inteira de pipocas, acompanhado do tão saboroso guaraná. Ah! Lembrou-se que certa feita, abriu dois pacotes de paçoquinha e pé-de-moleque, devorando-os em poucos minutos. Exercícios físicos? Nunca!
Com a consciência pesada, no dia seguinte ligou de novo para o SAC explicando o que havia constatado. Descobriu que a consulta do dia anterior o havia obrigado a violar o seu próprio sigilo gastronômico. Por ser uma pessoa de princípios, desculpou-se por ter causado transtorno à atendente e prometeu corrigir-se.
A partir daquele momento tomou uma sábia decisão: Nunca mais iria se preocupar em submeter-se a regimes encomendados. Preferiu deliciar-se com aquelas guloseimas que tão bem fazem ao nosso desejo, a despeito de nos tornar um pouco mais roliço. Para comemorar aquele sublime momento, olhando diretamente para embalagem contendo o produto milagroso, brindou com um copo de cerveja sem qualquer ponta de remorso.
Neste caso, valeu a pena a quebra do sigilo gastronômico.