Menino obediente aquele. De família humilde, entendia perfeitamente as dificuldades do pai em manter um lar. Trabalhando de sol a sol, trazia para casa o suficiente para o sustento. Raramente sobravam alguns trocados para extravagâncias. Quando chegava a época do Natal, o menino já sabia que dificilmente ganharia algum presente mais sofisticado. À época desta passagem, o presente mais almejado pelas crianças era a tão sonhada bicicleta. Sabedor da quase impossibilidade do Papai Noel trazê-la em seu saco de presentes contentava-se sempre com o que recebesse, o que não o deixava menos feliz. Sabia que era o que estava ao alcance das posses do seu pai.
Tinha uma aspiração por música e não podia ver alguém tocando sanfona para sonhar alto e pensar em voz alta:
– Um dia ainda vou ter uma.
Chega mais um Natal e manifesta este desejo para a mãe. Esta com todo o carinho e procurando não magoá-lo, disse-lhe:
– Filho, é muito caro e o papai não tem dinheiro para comprá-la.
Compreendeu a situação, mas cabisbaixo, disse:
– Sei mamãe… Mas será que vai fazer tanta falta o dinheiro para comprar a sanfona?
O diálogo terminaria aí se a zelosa mãe não dissesse ao seu marido o comentário do menino. Ato contínuo, o também zeloso pai condoído, disse a ela que faria até o impossível para satisfazer seu desejo. Como dezembro era um mês que se mostrava favorável ao trabalho, programou realizar serviços extras para arrecadar o necessário para o presente.
Chega o Natal. Família reunida. Parentes se abraçando comemorando mais um aniversário do menino Jesus. Na troca de presentes, o pai entrega ao filho um pequeno pacote. Ao abri-lo nota haver dentro dele um carrinho movido a corda, desses comuns que todos os amiguinhos dele já tinham. Conformado com o presente, não deixou de agradecer ao pai pela lembrança dando-lhe um beijo. Nisso o pai puxa por um outro pacote e não contendo as lágrimas, disse:
– Filho, isto é para você. Aquilo que você queria ganhar está aqui. Você mereceu.
Sem saber o que dizer e ainda um pouco envergonhado, o menino a esta altura trêmulo, desembrulhou o pacote e vê surpreso, a sanfona que tanto queria.
Muitos e muitos anos depois, este mesmo menino, agora adulto, jamais se esqueceu daquele ato de desprendimento de seu pai. Guardadas as devidas proporções e tendo em mente o exemplo edificante do pai, procurou fazer algo semelhante com seu filho. Embora a situação fosse outra e as dificuldades não tão marcantes como naquela época, este menino pai recebeu pedido semelhante de seu filho. Queria ganhar de presente um robô que ele tinha visto em uma revista e que se movimentava através da voz. Era o início da década de 80, e uma grande novidade para a época. Naquele exato momento passou um filme pela sua cabeça. Veio à sua mente quão feliz ficou por ter ganhado a sanfona de seu pai. Reconheceu os esforços que este deve ter feito para adquiri-la. Portanto, não pensou duas vezes e em uma de suas viagens ao exterior, pois o brinquedinho só existia por lá, comprou-o. Há controvérsias sobre quem ficou mais feliz. Teria sido o menino por ter recebido de presente aquilo que almejava, ou o pai por ter satisfeito o seu desejo, lembrando o que ocorreu no passado.
A sanfona hoje tem mais de 50 anos e o robô 20 anos. O mais pitoresco é que ambos estão discretamente juntos em uma estante, simbolizando duas épocas e quem sabe em um futuro não muito distante, haja nessa mesma estante um outro presente simbolizando a terceira geração de famílias felizes.